Resumo do Artigo:
“Pode um Vilão Ter Bom Gongfu? — Uma Exploração Preliminar da Ética do Gongfu”
O artigo de Peimin Ni, publicado no Journal of Chinese Philosophy em 2016, explora o conceito de gongfu (frequentemente traduzido como “kung fu”) não apenas como artes marciais, mas como uma “arte de viver” mais ampla, englobando habilidades cultivadas em várias áreas, como culinária, dança ou até mesmo uma vida ética, conforme entendido pelos neoconfucionistas da dinastia Song-Ming, taoístas e budistas. A questão central é se indivíduos com caráter moral questionável (“vilões”) podem possuir um gongfu excelente — ou seja, habilidades ou competências altamente refinadas.
Tem três Estágios para Entender a Relação entre Gongfu e Moralidade:
• Estágio 1: Sim, vilões podem ter bom gongfu. Ni argumenta que gongfu (como habilidade ou competência) e moralidade são categorias distintas. Uma pessoa pode ser extremamente habilidosa em uma arte (por exemplo, artes marciais ou caligrafia) sem ser moralmente virtuosa. Por exemplo, um lutador cruel pode dominar técnicas de artes marciais, mas carecer de integridade ética.
• Estágio 2: Não, vilões não podem ter bom gongfu. Em um nível mais profundo, Ni sugere que a bondade moral está entrelaçada com a virtuosidade do gongfu. Ações imorais refletem uma falta de cultivo interior, o que impede a verdadeira mestria. Nesse sentido, um “vilão” pode ter habilidades técnicas, mas não a excelência holística que o gongfu implica no pensamento confucionista, onde o autocultivo e a vida ética são centrais.
• Estágio 3: Pessoas morais não são verdadeiros mestres do gongfu se dependem apenas da moralidade. Ni propõe que a verdadeira mestria do gongfu transcende a adesão consciente a regras morais. Uma pessoa moralmente boa que ainda precisa deliberar sobre ética não internalizou completamente a arte de viver. Verdadeiros mestres do gongfu, como Confúcio aos 70 anos (descrito em Analectos 2.4), agem em harmonia com seus desejos sem violar limites éticos, alcançando um estado de virtude sem esforço.
Gongfu como uma Arte Prática:
Ni enfatiza que o gongfu envolve habilidades práticas e encarnadas, desenvolvidas por meio de esforço e cultivo, não por teorizações abstratas. Isso está alinhado com o foco confucionista no autocultivo e em viver bem, em vez de buscar verdades metafísicas.
Ele contrasta isso com tradições filosóficas ocidentais, que frequentemente priorizam o conhecimento teórico ou princípios morais universais. Na perspectiva do gongfu, declarações morais são vistas como instruções ou métodos para florescer, não como regras rígidas.
Implicações Éticas:
Ni explora uma ética do gongfu enraizada no pensamento chinês tradicional, onde o foco está na transformação de si mesmo por meio da prática para incorporar habilidades excelentes. Essa perspectiva avalia ações com base em sua eficácia para promover uma vida boa, em vez de sua aderência a padrões morais absolutos.
O artigo sugere que a ética do gongfu pode oferecer uma nova abordagem para entender e avaliar filosofias orientais e ocidentais, potencialmente levando a conceitos como epistemologia ou estética do gongfu.
Relativismo e Críticas:
A estrutura de Ni foi criticada por tender ao relativismo ético, já que o gongfu pode ser aplicado a qualquer fim, moral ou imoral (por exemplo, um “gongfu de matar”). Críticos argumentam que essa abertura aos fins escolhidos por indivíduos pode carecer de uma base para condenar ações claramente malignas, como as de figuras históricas como Hitler. Ni responde que a crítica a tais ações viria de dentro da própria prática de gongfu de cada um, embora essa defesa perspectivista possa não satisfazer plenamente aqueles que buscam fundamentos morais universais.
p/s: sobre essa aparente relativização moral, podemos ainda continuar o estudo, ficaria claro que ela não acontece.