Me lembrei de meu tempo com meu Sigung e minha Sitai na penúltima despedida de Patriarca Moy Yat
Texto abaixo escrito por Moy Yat em um seminário em Richmond, escola da Virgínia
Deixa eu te explicar uma coisa importante: você ainda deve muito ao seu Sifu.
Você já percebeu que, quando você me dá algo, eu quase nunca digo "obrigado"? Aí talvez você pense: “Nossa, que falta de educação. Ele não tem boas maneiras.” Mas não é isso. Eu só estou sendo justo.
Se você me dá alguma coisa e eu digo "obrigado", é como se estivéssemos quites — mas não estamos. Você já me deve muito. Então, se eu agradeço por algo que você me deu, fica parecendo que está tudo certo entre nós, quando na verdade não está. Vamos imaginar que você me deu um dólar e eu agradeço. Pronto, esse dólar agora é meu, e você ainda me deve pelo tempo, paciência, conhecimento, dinheiro e dedicação que investi no seu treinamento. E essa parte você nunca pagou.
É por isso que, quando você me dá algo, eu recebo como parte do que você me deve. E se eu dissesse "obrigado" ainda por cima, a dívida só aumentaria. Porque o "obrigado" não paga nem de longe o valor do que você está recebendo — o conhecimento do kung fu. Consegue entender?
Muita gente acha que eu sou rude por não dizer “obrigado”. Mas a verdade é que eu sei agradecer em várias línguas — chinês, japonês, inglês, francês… Só que eu escolho não fazer isso o tempo todo, justamente por tudo que já foi dado a você. Eu não fico te cobrando, não fico exigindo nada. Só que, quando você me dá algo, isso não compensa nem um pouco o quanto você ainda deve.
Pra você aprender uma técnica em minutos, eu precisei de meses de dedicação.
Quer um exemplo? Quando o mestre Yip Man estava doente, eu acordava cedo — tipo seis da manhã — pra caminhar com ele no parque.
Enquanto muitos ainda estavam dormindo, eu estava lá, cuidando dele, levando pra tomar café, voltando com ele pra casa… Meses fazendo isso. E só depois de todo esse tempo ele me ensinou uma única técnica.
Foto: Sifu Monnerat, Patriarca Moy Yat e a Matriarca Helen Moy em 1998
Foi assim que eu aprendi meu kung fu. Por isso hoje você pode ter acesso a muito mais, com muito menos sacrifício. Mas conquistar esse conhecimento no começo foi extremamente difícil. E é por isso que vocês devem respeito a quem passou por esse caminho pra abrir essa porta pra vocês.
Agora, segundo ponto: nós, como Sifu, temos o dever de sermos honestos. A gente poderia muito bem inventar um monte de coisas e dizer que é kung fu, e você nem saberia diferenciar o que é verdadeiro do que é falso. Mas a gente não faz isso. Outros já fizeram — criaram movimentos esquisitos, técnicas duvidosas — e por isso a gente tem até receio de você acabar aprendendo essas coisas por aí, em vídeos ou com outros mestres.
Insistimos em seguir o caminho correto. Ensinamos o verdadeiro Ving Tsun, com a filosofia certa e com honestidade.
Protegemos você de aprender errado. E isso também é motivo pra nos respeitar.
Talvez você esteja se perguntando: “Mas como eu sei que vocês estão sendo honestos mesmo?”
Espera seu kung fu evoluir um pouco mais. Quando você viajar, conhecer outros estilos, vai ver um monte de coisa estranha sendo chamada de Ving Tsun.
E aí vai entender o valor do que a gente te passou. Vai pensar: “Nossa, o que aprendi é tão simples, tão direto!” Pois é. Esse é o verdadeiro caminho do Ving Tsun — o mais simples, o mais direto.
Se você ver alguém fazendo um movimento complicado e perguntar pra que serve, muitas vezes a pessoa vai dizer: “Não sei, aprendi assim.” Não caia nessa. Não tente aprender esse tipo de kung fu. Às vezes parece forte, bonito, impressionante… mas isso não significa que seja eficiente ou verdadeiro.
Se você quiser aprender mais, tudo bem — estuda o básico de verdade e, com o tempo, você mesmo vai descobrir mais sobre as técnicas. Mas cuidado: se você tentar seguir só por conta própria, pode acabar criando ideias erradas. E mesmo que você chegue em alguma técnica sozinho, ela pode não fazer parte do sistema.
Por isso, é sempre melhor trazer suas descobertas pra gente. Assim, podemos te mostrar o jeito certo de aplicar.
O Ving Tsun é um sistema completo, e ele já reúne as melhores técnicas possíveis.
Se existe uma maneira eficiente de fazer algo, provavelmente já faz parte do nosso sistema — outros estilos podem até usar também, mas geralmente adotam só depois que a gente já fazia isso há muito tempo.